O
mito da mulher perfeita foi criado pelos trovadores. Como a sociedade feudal
era extremamente machista, e lá a figura feminina não decidia nada (a não ser,
por exemplo, com que plantas aromáticas iria lavar os pés do marido), era
necessário compensar essa inferioridade dando a ela contornos ideais. Nas
cantigas, a mulher não é a escrava do cotidiano -- é a senhora, ou a “mia
senhor”. Esse tipo de culto se limitava ao plano da arte, claro; no dia a dia,
a discriminação continuava a mesma.
Do
trovadorismo a imagem da mulher ideal passou ao Romantismo, que lhe acrescentou
traços de santidade e morbidez. Em vez de “senhora”, ela virou santa, diva,
anjo. Além de adquirir esse aspecto espiritualizado, apresentava-se pálida,
clorótica, enfermiça. Freud a considerou uma representação da morte.
Imagem da morte
ou não, o fato é que os homens a perseguem. Como não a encontram, pensam que
ela não existe. Engano. A mulher ideal existe, sim. Só não a encontramos porque, no momento em
que a achamos, ela se torna real. Daí...
É
possível conhecer a mulher ideal mesmo que ela, acercando-se de você, não fale
nada. Ou melhor: sobretudo se não falar nada, pois falando ela pode quebrar o
encanto. Dirá coisas prosaicas como “nasceu uma espinha no meu rosto”, “ontem
vomitei aquela buchada” ou “sou fã de
Michel Teló”.
Existe
a teoria de que não achamos a mulher ideal porque, sendo o mundo muito grande,
ela pode estar a milhares de quilômetros de onde vivemos. É possível que alguém
more no Brasil e sua mulher ideal esteja, por exemplo, no Kuwait, namorando um
sheik ou coisa parecida. A maioria dos homens tem que se contentar com a mulher
viável, possível, ao alcance da mão (e de outras partes do corpo, é claro).
Felizes são aqueles que nascem onde sua mulher ideal se encontra. Mas dizem
que, quando isso acontece, alguma circunstância a faz mudar de lugar.
Que
características procuramos na mulher ideal? Compreensão infinita, tolerância
absoluta, beleza perene. Ela deve ser irrepreensível, não repreensiva, e estar
sempre pronta para o amor mesmo que tenha passado o dia à beira do fogão ou
limpando o cocô das crianças.
Existe
um teste simples para você saber se a mulher com quem se pretende casar é mesmo
a ideal (embora haja algum paradoxo nisso; ninguém se casa com a mulher ideal.
Ela existe para ser objeto de uma grande paixão). O teste é: não compareça a um
compromisso combinado, saia com amigos em vez de sair com ela, esqueça quando
ela aniversaria, diga que a sua mãe (e não ela) é a pessoa mais importante para
você. Se ela quiser matá-lo depois de ouvir coisas como essas, é porque não se
trata da mulher ideal. Se apenas botar uma cara feia, aproveite, pois você não
vai encontrar outra que reaja de forma tão branda.
A mulher ideal, como todos os mitos, foi
criada para se constituir em referência. Lembra outro mito, o da “mulher
fatal”, devoradora de corações, com quem a maioria das outras mulheres gostaria
de se confundir. Não a rejeitemos, pois a função dos mitos é tornar suportável
a realidade. Como, afinal de contas, se contentar com a mulher possível sem
imaginar que em algum lugar do mundo se encarna aquela miragem? E que ela só
não chegou até nós por um capricho da sorte?
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