quarta-feira, 4 de maio de 2016

Como eu quero envelhecer

Minha irmã médica pede que eu divulgue um concurso de redação proposto pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia sobre o tema “Como eu quero envelhecer”. O concurso se destina a alunos do primeiro e segundo anos do ensino médio, mas me deixou motivado. Fiquei pensando em como eu gostaria de enfrentar essa prova que a natureza nos reserva.
       Se a velhice é obra da natureza, o sensato é enfrentá-la de modo natural. Simplesmente deixar que ela venha, dispensando os artifícios com que tantos procuram negá-la. Nada de plástica,  nada de pintar os cabelos, nada de se vestir como um garoto. Tais recursos não disfarçam a passagem do tempo e acabam dando aos que deles se servem um aspecto caricato. Revelam desconforto e sofrimento com a perda da juventude, quando a maior vitória é mesmo aceitá-la. 
         Dizer que a velhice tem os seus prazeres é um lugar-comum, mas não há como fugir a ele. O cansaço do corpo propicia uma abertura do espírito, que se torna mais sensível à beleza. Quero envelhecer com tempo para ver bons filmes, apreciar boas pinturas, ler alguns livros que não li. E sobretudo (o mais difícil) fazer grandes viagens. Quero envelhecer não com riqueza, mas com o dinheiro suficiente para conhecer alguns dos importantes centros culturais e artísticos do mundo.
        Quero envelhecer fazendo o que sempre tenho feito e desprezando esta palavrinha mortífera – aposentadoria. Envelhecer no trabalho, que dá sentido à vida. Afinal, somos o que fazemos. Quero envelhecer fiel aos meus princípios, mesmo errados e às vezes confusos, porque bons ou maus são eles que me seguram. Mas também quero forças para mudar quando isso for útil aos que me cercam e não representar uma traição a mim mesmo.
      Quero ficar velho com habilidade não para esperar a morte, mas para me desprender da vida. A morte nada tem de transcendente; morto, não estarei em lugar nenhum. A vida, sim, transcende. Ela é o grande mistério, e a perspectiva de perdê-la requer sabedoria. Quero enfrentar isso com coragem e decência.
          Quero envelhecer com bom humor para encarar o espelho e o olhar das pessoas, sobretudo aquelas que passam anos sem nos ver e mal disfarçam a surpresa quando se deparam conosco (parecem não se dar conta de que o espanto é recíproco).  Quero envelhecer sem rancores, perdoando a quem me feriu e merecendo o perdão daqueles a quem fiz mal. Com isso eu teria um bom veredicto no julgamento dos homens e poderia, quem sabe, permanecer algum tempo na sua memória.
          Quero envelhecer aprendendo a dizer certas palavras a quem amei, palavras que ficarem recolhidas por encabulamento ou falta de jeito.  Também quero envelhecer sem o mau humor nem o azedume tão comuns a boa parte dos velhos, que parecem desprezar os que em outra quadra do tempo desfrutam a vida (como se essa oportunidade não lhes tivesse sido ofertada). Quero sobretudo envelhecer com lucidez, dono do meu corpo e do meu espírito. Se isso for impossível, não faço questão de ir embora mais cedo. 

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