Não
se encontravam havia mais de 15 anos, e agora se deparam um com o outro na sala
de espera do urologista. Juntos tomaram porres homéricos e tiveram noitadas por
assim dizer messalínicas, num tempo em que a próstata para eles não passava de
uma vaga referência nos noticiários médicos. Era um órgão que apenas cumpria o
seu papel, sem cobrar nada pelo serviço.
Vendo o amigo, Fragoso pensa em dar meia
volta. Mas o outro já o percebeu e abre um sorriso entre nostálgico e irônico.
Como quem diz: olha só onde nos encontramos!... Chamava-se Lemos e pelo visto
não mudara; como nos velhos tempos, ainda gostava de perguntas óbvias e
sardônicas:
-- Que é que você está fazendo aqui?
Fragoso ri, estende a mão, e não vendo
outro remédio senta-se junto do amigo. Estava com uma inflamação na uretra,
coisa besta, haviam-lhe dito que esse urologista era muito competente...
-- Ele é bom mesmo em próstata – corta
Lemos, com o prazer malévolo de quem desvenda uma mentira. O outro se retrai e
balbucia:
-- Ele garantiu que comigo tudo está
bem!
-- Pois comigo, não. A minha está
grande. Hiperplasia. -- Encara o amigo e o informa, num ímpeto de sinceridade:
-- O médico até suspeita de coisa pior...
A “coisa pior” fica no ar por alguns
segundos, evocando o calvário da doença sem cura. Fragoso se comove com a
demonstração de franqueza do amigo e tenta mudar de assunto. O outro não deixa:
-- Estou na fase do ajuste de contas com
a vida e tenho pensado muito, sabe? A velhice nos faz um pouco filósofos. Até
desenvolvi uma teoria sobre a doença da próstata. Esse reservatório minúsculo é
o nosso purgatório na terra. Purgatório? O amigo devia estar passando por uma
crise metafísica ou moral.
--
Explique isso melhor, Lemos.
-- Simples: o indivíduo não precisa
esperar a morte para pagar por seus excessos físicos. Paga aqui mesmo pelo prazer
que deu ao corpo. Ora, em matéria de sexo eu sempre fui mais extravagante do
que você. Nunca medi, nunca selecionei. É natural que sofra o que estou
sofrendo agora. Mas não me arrependo! – faz questão de frisar, como o pulmopata
que no sufoco da dispneia delicia-se com a lembrança das velhas tragadas.
Depois de um breve silêncio, continua:
-- Veja como tudo que envolve a doença
da próstata é uma negação do nosso orgulho de macho: o xixi entrecortado, a
ameaça de impotência, o deprimente toque retal. Esse conjunto é o avesso
irônico de tudo quanto gozamos ao longo da vida. É o preço, a cobrança da
natureza, para morrermos quites com...
Não tem tempo de terminar a frase, a enfermeira
o chama. Despede-se do outro com um sorriso triste, tão diferente das risadas
de outrora. Vendo-o entrar no consultório, Fragoso fica pensativo. Sofre com
pena de Lemos, é certo, mas sobretudo com saudade de si mesmo.
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