Semana
passada, a bateria do meu carro pifou. Como eu estava no subsolo de uma agência
bancária, tive que ligar para o seguro a fim de solicitar um mecânico. Uns 30
minutos depois o rapaz veio, examinou o artefato avariado e o condenou:
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Aqui, só outra.
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E agora? Onde posso mandar buscar uma nova?
--
O senhor liga para a loja Tal -- e me passou o telefone. Quando eu lhe pedi uma
sugestão de marca, ele me perguntou se eu pretendia vender o carro.
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Não. Por quê?
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Se for vender compre esta, que é mais barata (e me indicou o nome). Agora, se
for ficar com o carro por mais um tempo, leve esta (citou outro nome). É um
pouco cara, porém bem mais econômica e difícil de quebrar. Duvido que deixe o
senhor no prego.
Escolhi
a segunda, pois não pretendia tão cedo vender o automóvel. Bateria instalada,
voltei para casa pensando nas alternativas que o mecânico tinha me apresentado.
A escolha fora fácil, pois o carro ainda iria ficar comigo por um bom tempo.
Mas... e se eu fosse me desfazer dele? Qual das marcas teria escolhido?
Comecei
a pensar nisso e senti um arrepio. A pergunta do rapaz tinha implicações
profundas; envolvia um dilema moral. Pensei em Kant, que fundamenta sua ética
na máxima: “Não faças a outrem o que não queres que te façam.” Se eu escolhesse
a bateria mais barata e dispendiosa, que além disso podia quebrar, estaria
fazendo a outrem (o eventual comprador do meu carro) o que não queria que me
fizessem.
O
curioso foi a maneira objetiva, prática, direta, com que o mecânico me fizera a
pergunta. Não havia hesitação nem escrúpulo, como se a proposta fosse muito
natural. Ele sempre devia apresentar essa opção aos clientes. Alguns até lhe
dariam uma gorjeta pela dica, mesmo que isso reduzisse a vantagem obtida com a
escolha do produto ruim. O importante era o pequeno lucro imediato, acrescido
do indizível prazer de enganar o outro. Pois esse tipo de escolha não vale só
pelo dinheiro; vale também (ou sobretudo) pela sensação de ter sido
esperto.
Chegando
em casa, me dei conta de que a sugestão do rapaz diz muito de nós. No trabalho,
no comércio, na política e mesmo nas relações interpessoais, nos comportamos
como o sujeito que passa a bateria ruim sem considerar o que isso pode representar
para o outro. Tudo fica ótimo até o momento em que somos nós esse outro. E
quando nosso carro quebra no meio de uma viagem noturna e ficamos com a família
ao relento, protestamos contra o egoísmo do ser humano e lamentamos pertencer a
espécie tão mesquinha. Esquecemo-nos de que dela fazemos parte e não raro somos
nós a protagonizar a trapaça.
Talvez
seja por isso que este carrão chamado Brasil não anda -- ou anda muito
desigual. Falta em sua “bateria” a corrente do interesse pelo bem comum. Somos
antikantianos por atavismo e convicção, fazendo sempre que possível ao outro o
que nunca desejamos para nós.
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