A expressão “beber
socialmente” tem alguma coisa de politicamente correto. Designa uma forma
civilizada de beber (embora haja algum paradoxo nisso, pois bebemos para fugir
à força coercitiva da civilização). Quando alguém diz que bebe socialmente,
está querendo dizer que se controla, se policia, enfim, não se deixa dominar
pelo “vício”.
Mas
há outro sentido nessa dimensão social da bebida. Beber socialmente é também (e
lá vai o óbvio) não beber só. É aproveitar o ensejo para conversar, rir com os
outros, trocar impressões (e talvez imprecações) sobre a vida e o mundo.
Beber
socialmente não exclui a possibilidade de alguém ser alcoólatra, assim como
beber só não significa que a pessoa seja viciada. Existem alcoólatras que
sempre procuram parceiros com quem beber (e quando não os encontram, se
frustram e bebem com mais intensidade
ainda). E existem “bebedores sociais” que procuram o grupo para disfarçar a perigosa
ligação que têm com a bebida.
Para
mim, uma das imagens mais dolorosas da solidão é a de alguém bebendo sozinho.
Beber só -- sem ter com quem brindar, a quem fazer confidências ou mesmo sobre
quem entornar o copo -- é pior do que comer ou dormir só. A bebida pede
expansão e pressupõe o outro. Ela está associada aos rituais báquicos, que
sempre envolviam muita gente (e às vezes, é verdade, terminavam em agressões e
assassinatos). Sozinho se lê, se pensa, se reza -- mas não se bebe.
O
onanismo etílico é sinal de que falta à pessoa alguém com quem carnavalizar a
vida. Embora ela possa fazer isso solitariamente (no Carnaval existem os blocos
do eu-sozinho), nada mais estimulante para subverter as regras do que a
presença de outras pessoas. O “indivíduo” é por natureza triste, ordeiro,
temente à lei. Quando está sóbrio, prefere a reflexão às atitudes que confirmam
o instinto. Em grupo ele fica ousado, dribla o superego, deixa emergir a
catadupa interior que os diques morais reprimem.
Tão ruim quanto beber só é beber
com alguém que não bebe. Mal comparando, é como fazer sexo com quem sofre de
frigidez. A sobriedade do outro soa como uma falta de respeito, uma recusa de
sintonia que acaba humilhando uma das partes (a parte que bebe, é claro).
Comumente, nessas ocasiões, a parte sóbria assume um ar indulgente à proporção
que o outro mergulha em seu delirante torpor.
O
companheiro ideal para um bêbado é outro bêbado. Quando se juntam, um não faz
muita questão de entender o interlocutor porque também não está preocupado em
se fazer entender. Caso estivesse, teria permanecido lúcido. O importante é
que, na língua engrolada em que se expressam, sempre dizem o essencial.
Existem no entanto aqueles para quem beber
sozinho é mais produtivo. Os artistas, por exemplo, e entre esses os
escritores. Gente como Vinicius de Moraes, Carlinhos Oliveira ou Paulo Mendes
Campos não precisava de ninguém nessas ocasiões. Quando tinham diante de si uma
garrafa, estavam em silencioso diálogo com as musas – e com elas faziam
intermináveis brindes à eternidade.
Ótimo texto. Parabéns! Uma questão: e beber ouvindo uma boa musica mesmo sozinho?
ResponderExcluirAlô, Carlos. Agora foi que eu li seu comentário. Quanto à proposta, é excelente; a música sempre é uma boa companhia. Abraço!
Excluir