Vez
por outra o grupo se reunia para fazer um balanço da vida. Curiosamente, todos estavam
sós. O assunto daquela noite foi a razão pela qual os casamentos falharam (Euclides,
o intelectual da turma, chegou a criar uma frase de que todos gostaram muito: “O
casamento é um estágio desnecessário
rumo à solidão”).
Quem
primeiro falou foi Zuleide:
--
Me casei com um engenheiro. Deu errado porque ele queria mudar meus alicerces.
Resisti, esbravejei, e da nossa relação não ficou pedra sobre pedra.
--
Pois eu -- explicou Valfredo -- fui casado com uma jornalista. Ela era
apressada e neurótica. Em nossos momentos íntimos, que eram raros, só pensava
se a cobertura ia resultar num grande furo. Além disso, tinha medo de perder o
emprego por causa de uma “barriga”. Terminei indo embora.
--
Meu caso foi pior -- falou Osmar. -- Casei-me com uma promotora. Vivia, claro,
me acusando. Era uma relação cheia de altos e baixos. Tudo que eu fazia era
usado contra mim. Afastei-me, não havia outro recurso.
Foi
a vez de Clotilde justificar o seu fracasso:
--
Nestor era guarda de trânsito. No início tudo correu bem. Com o tempo, ele
começou a reclamar de que eu não lhe dava mais bola. Dizia que eu avançara o
sinal, tinha outro, e devia ser penalizada por essa infração. Fui perdendo o
respeito em casa, onde só ele apitava. Pedi o divórcio.
--
E você, Nemésio? -- quis saber alguém.
--
Ah, eu me casei com uma costureira. Nos primeiros meses, éramos casa e botão.
Com o tempo ela foi perdendo a linha, e numa briga me furou com um alfinete.
Antes que me agredisse com uma tesoura, resolvi me escafeder.
Elogiaram
a prudência de Nemésio. Uma tesoura provocaria danos bem mais graves do que um
alfinete... Foi Suênio quem interrompeu os comentários do grupo:
--
Minha mulher era psicóloga. Quando colocou um divã no quarto, pensei que era
para nosso conforto -- mas ela queria me analisar. Descobriu que eu tinha uma série de complexos.
Isso afetou de tal modo a minha autoestima, que quando ela estalava os dedos
corríamos eu e Totó. Eu já não sabia quem era, ou se era alguém. Saí da relação
com uma bruta crise de identidade. Au!
Mércia
foi a próxima a falar:
--
Meu marido era marinheiro. Passava três, quatro meses no mar, e quando voltava não
queria içar a vela. Perguntei se ele tinha “outra”. Ele respondeu que era quase
isso; eu errara pelo gênero. Nunca pensei que essa fosse a praia dele! Também
não fiz tempestade, e dissemos adeus numa boa.
Faltava
Doroteia, que não se fez de rogada:
--
Pois eu, pessoal, fui casada com um político. No início me encantei com o
discurso cheio de promessas, mas logo descobri que era tudo demagogia. Mesmo em
casa, ele só queria palanque. A gota d’água foi quando eu soube que umas tais
reuniões para discutir estratégias de
campanha eram um eufemismo para os encontros com Elisete -- uma de suas
assessoras. Essa não tinha nada de “fantasma”, era mesmo de carne e osso. Sei
disso porque quebrei alguns.
Felizmente que vivemos uma época em que a liberdade tomou corpo e se fez uma realidade. No século passado, quem ousaria falar da sua vida íntima? Quantos dramas ficaram encobertos debaixo de quatro paredes lavadas com lágrimas e enfeitadas com frustrações? A vida é tão curta que merece ser aproveitada e transformada num ramo de flores perfumadas. O maior problema é a dificuldade, para quem sofre desenganos amorosos, encontrar o companheiro certo e saber transformar o desagradável em momentos de comunhão e prazer.Haverá entre os humanos falta de comunicação? Talvez!
ResponderExcluir