Estudo aponta
que homem que lava a louça é mais feliz. Costumo auxiliar minha mulher nesse
ofício e estou de acordo com o autor da pesquisa. Cheguei até a desenvolver uma
tese: lavar a louça é a versão masculina de fazer tricô (até hoje eu não soube
de homem que fizesse tricô. A razão é que certamente ele não teria habilidade
para esse tipo de tarefa; ia se enrolar todo).
Dizem
que o ato de cruzar os fios ao tricotar, urdindo-os com extrema paciência,
diminui a ansiedade e acalma os nervos. Leva a um estado semelhante à ataraxia
dos gregos ou à meditação dos orientais. Na lavagem da louça ocorre algo
semelhante. Durante o processo só as mãos trabalham, de modo que o cérebro fica
liberado para o devaneio ou o “esvaziamento” – o célebre “não pensar em nada”
dos budistas. É um ato rico em simbolismo, pois envolve também a remoção de
impurezas pela água.
A
água, como se sabe, é o início de tudo. Nascemos aquáticos, boiando no líquido
amniótico, e talvez por isso temos com ela uma relação especial. Sentir a água
no corpo é um refrigério para o espírito. Vê-la ou ouvi-la fluir, mesmo de uma
prosaica torneira de cozinha, nos dá um prazer que talvez só se explique por
nossas antigas andanças através de florestas e savanas, ao cabo das quais
parávamos à beira de um regato fresco e cristalino.
Na
pia vemos o precioso líquido prestes a fluir diante de nós -- e ao lado um
monte de pratos, panelas e talheres besuntados de gordura e outros resíduos que
atestam a nossa necessidade de sobreviver, ou apenas a nossa gulodice. Todo
final de refeição (ou melhor, todo final de qualquer ato fisiológico) traz uma
quebra de encanto. A louça suja confirma essa verdade. Lavá-la é um meio de
restaurar nossa grandeza de animais civilizados.
É
claro que para chegar a esse ponto devem-se superar obstáculos. O maior deles é
“tirar o grosso”, operação a que não se procede sem alguma repulsa. Levar ao
lixo os restos que se amontoam ou grudam nos pratos e panelas constitui o lado
sujo do trabalho. Quanta diferença há entre estas sobras e o arranjo original
dos alimentos, dispostos esteticamente nas travessas para despertar o
apetite!
Finda
essa parte menos nobre, começa a lavagem propriamente dita. É durante ela que o
espírito se deixa embalar, seduzido pelo cascatear brilhante. Tanto que nem
sentimos o trabalho de passar a bucha com detergente, ou de raspar com uma faca
os resíduos que grudaram. Fazemos isso de forma um tanto mecânica, pensando na
próxima viagem, no filme que vimos no último fim de semana ou no livro que
sonhamos escrever. Ou sobretudo não pensando em nada.
Enquanto
a água jorra e os objetos dançam em nossas mãos, sentimos um estado muito
próximo da felicidade. E tratamos de prolongá-lo virando e revirando os
utensílios, que aos poucos recobram o antigo aspecto. Enfim, vitória... Só uma
coisa costuma tisnar esse momento de euforia: o alerta da esposa para a sujeira
que, por distração ou imperícia, deixamos passar. Não adianta invocar o argumento
de que nada é perfeito. Vai ser preciso pegar de novo a bucha!
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