terça-feira, 3 de maio de 2016

Sobre a paixão

Dizem que a paixão cega, por isso é recomendável antes de se apaixonar fazer um rigoroso exame de vista. Isso não assegura que você vá escolher a pessoa certa, mas pelo menos impede que sua decisão decorra de uma ilusão de ótica.  Embora o amor seja algo que “arde sem se ver”, é bom saber em que fogueira está se metendo.
         Já se disse que quem se apaixona não vê o outro. Não vê a sua alma (nem poderi, claro, pois o outro ainda não morreu) nem seu corpo. Segundo a psicanálise, nos apaixonamos por metáfora. Ou seja: quem amamos jamais é quem amamos. É a imagem de alguém que se confunde com a figura do pai (no caso da menina) ou da mãe (no caso do menino). Está aí a explicação pela qual os apaixonados sempre acham que conhecem os parceiros “há muito tempo” (alguns até se lembram de haverem levado uma surra deles, o que os leva a desenvolver na relação um componente masoquista).
         Quem inventou a paixão foram os trovadores medievais, mas quem a aperfeiçoou foram os românticos. Eles injetaram nela um componente mórbido, e mesmo fúnebre, que acabou transformando-a num macabro roteiro para a morte. Era muito comum na época os amantes se matarem em pactos que ficaram famosos pela violência e a insana deliberação. A lógica que determinava esses acordos era a de que a morte era a única forma de eternizar o que viviam, pois tornava os apaixonados imunes à passagem do tempo. Vem certamente daí a ideia de que o casamento é o túmulo do amor, mas nem todos concordam com isso. Há quem ache que, pela má vontade de certos casais depois de longos anos juntos, o casamento é mesmo o túmulo do humor.
Os ventos do realismo foram aos poucos varrendo as fantasias românticas e mudando a disposição dos apaixonados. Muitas vezes, quando um deles via o outro morto (geralmente por veneno ou por uma adaga espetada no coração), entrava em pânico e saía correndo. Queria viver! Vivia, mas passava o resto da vida com remorsos por haver traído o compromisso. E à noite era assombrado pelo fantasma do parceiro, que vagava nos ermos celestes prometendo um dia se vingar.
Ao contrário do amor, a paixão tem prazo. Segundo Vinicius de Moraes, dura cerca de três anos. Após esse período, um começa a enxergar os defeitos do outro e se perguntar: mas o que foi que eu vi nele (a)? Quando o ex-apaixonado se depara com a pessoa real, duas coisas podem acontecer: ou começa a amá-la (a despeito do que ela é), ou então faz as malas. Rumo a outra paixão, que terá o mesmo desfecho.
A paixão nos leva a fazer loucuras, como gastar demais no shopping para comprar bons presentes (às vezes a relação acaba e a pessoa ainda está devendo as prestações), perder noites de sono compondo poemas rins ou assistir a shows de duplas sertanejas (só para não desagradar o parceiro, que é fã). Um amigo meu chegou a aderir à macrobiótica porque sua namorada era adepta dessa filosofia, mas com o tempo percebeu que estava perdendo o gosto pelas coisas boas da vida (inclusive pela garota).  Um dia teve coragem e foi embora. Orgulhoso de si mesmo, comemorou o feito numa pizzaria e, conforme me disse cheio de prosápia, nunca se sentiu tão “massa".

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