Dizem
que a paixão cega, por isso é recomendável antes de se apaixonar fazer um
rigoroso exame de vista. Isso não assegura que você vá escolher a pessoa certa,
mas pelo menos impede que sua decisão decorra de uma ilusão de ótica. Embora o amor seja algo que “arde sem se
ver”, é bom saber em que fogueira está se metendo.
Já se disse que quem se apaixona
não vê o outro. Não vê a sua alma (nem poderi, claro, pois o outro ainda não
morreu) nem seu corpo. Segundo a psicanálise, nos apaixonamos por metáfora. Ou
seja: quem amamos jamais é quem amamos. É a imagem de alguém que se confunde
com a figura do pai (no caso da menina) ou da mãe (no caso do menino). Está aí
a explicação pela qual os apaixonados sempre acham que conhecem os parceiros “há
muito tempo” (alguns até se lembram de haverem levado uma surra deles, o que os
leva a desenvolver na relação um componente masoquista).
Quem inventou a paixão foram os
trovadores medievais, mas quem a aperfeiçoou foram os românticos. Eles injetaram
nela um componente mórbido, e mesmo fúnebre, que acabou transformando-a num
macabro roteiro para a morte. Era muito comum na época os amantes se matarem em
pactos que ficaram famosos pela violência e a insana deliberação. A lógica que
determinava esses acordos era a de que a morte era a única forma de eternizar o
que viviam, pois tornava os apaixonados imunes à passagem do tempo. Vem
certamente daí a ideia de que o casamento é o túmulo do amor, mas nem todos
concordam com isso. Há quem ache que, pela má vontade de certos casais depois
de longos anos juntos, o casamento é mesmo o túmulo do humor.
Os
ventos do realismo foram aos poucos varrendo as fantasias românticas e mudando
a disposição dos apaixonados. Muitas vezes, quando um deles via o outro morto
(geralmente por veneno ou por uma adaga espetada no coração), entrava em pânico
e saía correndo. Queria viver! Vivia, mas passava o resto da vida com remorsos
por haver traído o compromisso. E à noite era assombrado pelo fantasma do
parceiro, que vagava nos ermos celestes prometendo um dia se vingar.
Ao
contrário do amor, a paixão tem prazo. Segundo Vinicius de Moraes, dura cerca
de três anos. Após esse período, um começa a enxergar os defeitos do outro e se
perguntar: mas o que foi que eu vi nele (a)? Quando o ex-apaixonado se depara
com a pessoa real, duas coisas podem acontecer: ou começa a amá-la (a despeito
do que ela é), ou então faz as malas. Rumo a outra paixão, que terá o mesmo
desfecho.
A paixão nos leva a fazer loucuras, como gastar demais no shopping para comprar
bons presentes (às vezes a relação acaba e a pessoa ainda está devendo as
prestações), perder noites de sono compondo poemas rins ou assistir a shows de
duplas sertanejas (só para não desagradar o parceiro, que é fã). Um amigo meu chegou
a aderir à macrobiótica porque sua namorada era adepta dessa filosofia, mas com
o tempo percebeu que estava perdendo o gosto pelas coisas boas da vida
(inclusive pela garota). Um dia teve
coragem e foi embora. Orgulhoso de si mesmo, comemorou o feito numa pizzaria e,
conforme me disse cheio de prosápia, nunca se sentiu tão “massa".
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